quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

O fim do processo penal

Eu me mostrava relutante em falar qualquer coisa sobre o tal caso Nardoni, mas diante do que vi hoje no bendito Jornal Nacional, achei interessante criar um esboço sobre o tema. Pra quem é leigo na área processual penal, não deve ser tão absurdo, mas estudando um pouquinho a matéria, podemos ver a torpeza que a mídia e as pessoas envolvidas tratam o caso. Sem desenvolver muito o tema, gostaria de abordar apenas dois dos inúmeros princípios penais e processuais penais que tiveram seu fim decretado pelo caso: o princípio da presunção de inocência e o sigilo processual.

O princípio da presunção da inocência diz em poucas palavras que ninguém pode ser considerado culpado até que se prove realmente a culpa. É o conhecido jargão popular "inocente até que se prove o contrário". Suas utilidades são óbvias: imagine se qualquer pessoa acusada de um crime já fosse considerada culpada? Imagine você, caro leitor, sendo vítima de uma denúncia anônima infundada, sem direito a se defender, sendo considerado culpado só por que alguém te acusou? Portanto, a presunção da inocência pressupõe um processo para que seja "conhecida" a "verdade real", aquilo que provavelmente aconteceu à luz das provas apresentadas e apreciadas em juízo, ou seja, em um processo e perante um juiz, um promotor e um advogado de defesa. Isto é justamente aquilo que não vemos em tal caso. Durante o inquérito policial, o INDICIADO (tem esta denominação justamente porque só existe INDÍCIOS do crime, não provas) é considerado inocente, não tendo nem sua certidão de antecedentes criminais suja. Mas o que se vê constantemente, pela mídia e pelo próprio promotor do caso, é a acusação escancarada e pré-concebida de que o pai e a madrasta são os culpados. Mesmo que eles sejam os verdadeiros culpados (não estou aqui entrando nessa discussão), quem vai decidir isto é o juiz e o júri popular, depois de muita discussão, debates e quiprocós! Não cabe à mídia dizer que "Foram Eles", como a "insigne" revista Veja fez em uma de suas capas. Quero saber quantas pessoas aqui gostariam de ser condenadas sem ao menos ter um julgamento digno...

Com relação ao sigilo processual, este deriva naturalmente do princípio da presunção da inocência. Ora, se você não pode dizer que uma pessoa é culpada sem antes ter um processo, como você vai divulgar documentos que a acusem, se você não sabe que ela é culpada? É LÓGICO que a imagem da pessoa estará manchada pro resto da vida, mesmo que ela consiga provar sua inocência. Imaginem vocês sendo indiciados por um processo, neste caso, vocês não estão sendo acusados de nada, é apenas uma averiguação para saber quem teve a ver com o crime. Chega um repórter e diz a todos que você foi o culpado do crime, sem saber de nada do que aconteceu, e espalha isso para toda a cidade. Mesmo que você nunca chegue a ser processado e condenado, a reprovação da sociedade já vai cair toda em cima de você, uma vez que tal repórter disse que você era culpado. Não vejo alguém que se sinta confortável com uma coisa dessas. O sigilo da vida pessoal de um indivíduo deve ser respeitado a todo custo, sendo quebrado apenas em casos expressos em lei. Até pra fazer uma escuta telefônica, a polícia precisa da autorização de um juiz, quanto mais divulgar INTEGRALMENTE o depoimento de um indiciado! Não vejo qualquer interesse público aqui, quanto mais um interesse que motive a liberação dos depoimentos do casal a um repórter da grande Rede Globo. Vejo somente o interesse da grande mídia em fazer mais alarde em cima do caso.

Acho que todos os que lerão este texto terão em mente que estes princípios que citei não são só invenções de advogado maluco ou juiz biruta, e sim que eles têm uma razão de existir, que é impedir que se faça injustiça a todos, culpados ou inocentes. Por isto mesmo, deveriam ser respeitados, e defendidos por todos, especialmente quando se refere a um inquérito policial, já que não precisa ter cometido um crime para que a pessoa possa ser indiciada. Portanto, é inadmissível o que estão fazendo neste caso Nardoni, seja a imprensa, que mostra-se despreocupada com as pessoas envolvidas no processo - o próprio casal, a família deles, os filhos, amigos -, vende a torto e a direito a intimidade e a vida de pessoas (meu Deus, são PESSOAS ali!), seja o promotor, que joga fora seu título e integridade para fazer a vontade desta mídia, seja a polícia, que vende-se na esperança de conseguir seus 15 minutos de fama ou seu famoso "pé de meia"...

Ps.: Domingo, dia 27, eu pude ver uma das poucas vozes sensatas na imprensa brasileira. Datena, no Brasil Urgente Especial, falando que não podia nem dizer sua opinião sobre o caso, pois sabia ser um repórter, cujo único trabalho era informar, não criar opinião pública.Gostaria aqui de parabenizar o apresentador pela postura corretíssima adotada, mesmo que ele não venha a ter conhecimento destas palavras.
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