quarta-feira, 30 de setembro de 2009

O erro de confudir causa e conseqüência

"O erro de confundir causa e conseqüência. - Não há erro mais perigoso do que confundir a conseqüência com a causa: chamo-o de a verdadeira corrupção da razão. (...) A Igreja e a moral dizem: "Uma estirpe, um povo, são arruinados pelo vício e pelo luxo". Minha razão diz: quando um povo se arruína, quando degenera fisiologicamente, então seguem-se o vício e o luxo (quer dizer, a necessidade de estímulos cada vez mais fortes e mais freqüentes, conforme a conhece toda natureza esgotada). Esse homem jovem fica pálido e murcho precocemente. Seus amigos dizem: a culpa é desta ou daquela doença. Eu digo: o fato de ter adoecido, o fato de não ter resistido à doença, já foi conseqüência de uma vida empobrecida, de um esgotamento hereditário. O leitor de jornais diz: com um erro desses, esse partido se arruína. Mas minha política superior diz: um partido que comete um erro desses está acabado - ele perdeu a sua segurança institiva. Todo erro, em todos os sentidos, é conseqüência de uma degeneração dos instintos, de uma desagregação da vontade: ...)"

F. Nietzsche, Crepúsculo dos Ídolos

Não consigo ler estas linhas sem pensar na questão da (falta de) segurança no mundo (não só no país). Infelizmente, o que circula na feira é que a falta de segurança por parte do governo e a "falta de humanidade" por parte dos criminosos é culpa da insegurança que permeia a sociedade. Mães perguntam-se "onde esse mundo vai parar, meu Deus?", enquanto pais economizam para colocar mais grades e cadeados nas janelas. Como todo bode expiatório ao longo da história, os marginalizados sempre acabam pagando com a vida pela culpa dos outros. Aquele rapaz de 14 anos que serve como aviãozinho não é a causa. Aquele homem de 43 anos que coloca uma arma na cintura e vai esperar algum aposentado sair do banco não é a causa. A moça bonita que usa sua beleza pra ludibriar o guarda do condomínio enquanto outros 8 entram no prédio não é a causa. Estas "causas" são a causa da verdadeira causa não ser descoberta (e haja causa!). Enquanto pensarmos nestes fenômenos como causa imediata, e não como conseqüência, as verdadeiras causas continuarão camufladas, bem como querem os que se beneficiam com a situação.

Entendo que é mais fácil achar uma boa desculpa do que pensar nas causas. Entendo que é mais fácil ainda quando a desculpa nos é dada diariamente, pelos formadores de opinião. Mas enquanto não "descobrirmos" que aquilo que achamos que é a causa na verdade é a conseqüência, nenhum dos problemas, especialmente o de segurança pública, será resolvido. É o mesmo que querer acabar com um formigueiro matando as formigas que estão no doce. Infelizmente, a formiga rainha está em todos nós.
Rafael Moura, 30/09/2009

2 comentários:

Lívia Mª Moura disse...

É similar à coisa do doente. A medicina sintomática é bem mais rentável que a preventiva. Vamos tratar os sintomas, não procurar as causas.

Querido amigo,

Assim como eu, vc sofre de um mal irremediável: a utopia. Mas o que seria do mundo, não fossem os sonhadores como nós? Eu resolvi disfarçar minhas frustações com arte! Mas, as "ciências" (direito é ciência!?)também precisam de quem brigue pela aproximação da utopia. Tenho um livro muito bom sobre esse tema, do José Inginieiros, que depois posso te emprestar!

Eu <3 Nietzsche FOREVERMENTE!

Beijo

Rafael Moura disse...

É, livinha...
Algumas pessoas nascem com esse fardo de serem sonhadores, e têm que carregar esse fardo por toda a vida. O engraçado é que Paulo Queiróz, um escritor de Direito Penal, costuma comparar o direito a uma arte também, pois não basta seguir as regras e leias hermenêuticas, é preciso talento e sensibilidade. E sim, quero todos os livros que você puder me emprestar XDDD

A propósito, acho que você também deve ter, mas eu tenho uma penca de livros do bigodudo aqui, alguns não tão conhecidos. Podemos permutar, savvy?